A Irrelevância da Retratação da Vítima Após a Condenação em Crimes da Lei Maria da Penha
A Lei 11.340/2006 — conhecida como Lei Maria da Penha — representa marco fundamental no combate à violência doméstica no Brasil. A normatização rompeu com paradigmas anteriores ao retirar da vítima a centralidade do processo penal, conferindo ao Estado o protagonismo na persecução criminal. Uma das consequências mais relevantes dessa mudança é a natureza pública incondicionada da ação penal nos casos de violência doméstica e familiar, o que impede a vítima de desistir validamente da acusação após a instauração da ação penal.
Joaquim José dos Reis
7/23/20254 min read
A Irrelevância da Retratação da Vítima Após a Condenação em Crimes da Lei Maria da Penha
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Introdução
A Lei 11.340/2006 — conhecida como Lei Maria da Penha — representa marco fundamental no combate à violência doméstica no Brasil. A normatização rompeu com paradigmas anteriores ao retirar da vítima a centralidade do processo penal, conferindo ao Estado o protagonismo na persecução criminal. Uma das consequências mais relevantes dessa mudança é a natureza pública incondicionada da ação penal nos casos de violência doméstica e familiar, o que impede a vítima de desistir validamente da acusação após a instauração da ação penal.
A presente análise discute a possibilidade — ou ausência dela — de extinção do processo criminal após condenação do réu, a partir de manifestação da vítima que busca “retirar a acusação”. Examina-se, à luz da doutrina e jurisprudência, os limites da retratação, a irrelevância jurídica da vontade posterior da vítima e os caminhos jurídicos legítimos para eventual revisão ou extinção da punibilidade.
1. Ação Penal Pública Incondicionada nos Crimes da Lei Maria da Penha
Com base na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, está pacificado que os crimes cometidos com base na Lei Maria da Penha são, em regra, processados por ação penal pública incondicionada, conforme entendimento firmado no julgamento da ADC 19/DF. Isso significa que o Ministério Público pode e deve promover a ação penal independentemente da representação da vítima.
O Código de Processo Penal, em seu art. 100, § 1º, prevê hipóteses de ação condicionada à representação. No entanto, tais exceções não se aplicam à maior parte dos delitos da Lei 11.340/06, inclusive lesão corporal leve, nos termos da Súmula 542 do STJ.
Em síntese: a vítima não tem o poder jurídico de dispor da ação penal, seja antes, durante ou após a condenação.
2. Irrelevância Jurídica da Retratação Após a Condenação
Após a prolação de sentença condenatória transitada em julgado, ocorre o fenômeno da coisa julgada material (art. 502, CPC aplicado analogicamente), tornando imutável a decisão. Nesse estágio:
1.A ação penal se encerrou;
2.O processo ingressa em fase de execução penal (Lei 7.210/84);
3.Não há mais possibilidade de retratação ou desistência por parte da vítima.
Mesmo que a vítima manifeste arrependimento, reconciliação ou negativa da versão anterior, tais declarações não têm aptidão jurídica para extinguir a punibilidade ou invalidar a sentença.
A única hipótese excepcional seria a produção de prova nova que demonstre a inocência do réu ou a falsidade do depoimento anterior, viabilizando revisão criminal (art. 621, CPP).
3. Formas Legítimas de Extinção da Punibilidade Após Condenação
As hipóteses legais de extinção da punibilidade estão elencadas no art. 107 do Código Penal. São objetivas e independem da vontade da vítima:
Hipótese Fundamento Exemplo prático
Morte do agente Art. 107, I, CP Réu falece
Anistia, graça ou indulto Art. 107, II, CP Decreto presidencial de indulto
Prescrição Art. 107, IV, CP Decurso do tempo sem execução
Abolitio criminis Art. 2º, § 1º, CP Descriminalização do fato
A retratação da vítima não é causa extintiva da punibilidade. Apenas poderá compor o acervo probatório em eventual revisão criminal ou servir como elemento humanizador na fase de execução penal, influenciando na progressão de regime ou benefícios penais.
4. Jurisprudência Atualizada
A jurisprudência dos tribunais superiores corrobora esse entendimento:
“A ação penal nos crimes de violência doméstica é pública incondicionada. A retratação da vítima após a condenação não tem o condão de anular o processo ou extinguir a punibilidade.”
— STF, HC 130.034/SP, Rel. Min. Teori Zavascki, 1ª Turma, j. 15/3/2016
“É irrelevante, para o prosseguimento da ação penal, que a vítima venha a se retratar do depoimento anterior ou que declare estar reconciliada com o agressor.”
— STJ, HC 537.541/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, 6ª Turma, j. 10/3/2020
Conclusão
A tentativa da vítima de “retirar a acusação” após a condenação do réu não encontra amparo no ordenamento jurídico brasileiro. A natureza da ação penal, a coisa julgada e os princípios da indisponibilidade e obrigatoriedade da ação pública impedem que a manifestação posterior da vítima tenha qualquer efeito extintivo do processo ou da condenação. A responsabilização penal por violência doméstica é atribuição do Estado e, por isso, não pode ser condicionada à vontade da parte ofendida após sentença condenatória definitiva.
Dessa forma, a única via possível para revisão da condenação seria a apresentação de provas novas robustas em sede de revisão criminal ou a ocorrência de alguma das hipóteses legais de extinção da punibilidade previstas no Código Penal.
Referências Legais e Jurisprudenciais
Brasil. Lei 11.340/2006 ( Lei Maria da Penha)
Brasil. Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848/1940)
Brasil. Código de Processo Penal (Decreto-Lei nº 3.689/1941)
STF. HC 130.034/SP, Rel. Min. Teori Zavascki, j. 15/03/2016
STJ. HC 537.541/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 10/03/2020
STF. ADC 19/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 09/02/2012
Súmula 542 do STJ: “A ação penal relativa ao crime de lesões corporais leves é pública incondicionada, quando praticado no âmbito das relações domésticas.”
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